Contextualização histórico-sócio-cultural da Herdade de Entre-Ribeiras
Diogo da Fonseca Acciaioli Coutinho de Sousa Tavares – último morgado da quinta e solar da Lameira, nasceu em Portalegre a 3 de Dezembro de 1831 e era filho de José Maria da Fonseca Acciaioli Coutinho e de D. Maria Ana de Barros Castelo Branco.
Na sua ampla residência da cidade de Portalegre, onde se conserva no alçado principal a heráldica afirmação do senhorio dos Fonseca Acciaioli, hoje em dia adaptada e ampliada para fins educativos, onde anteriormente esteve instalado o liceu Mouzinho da Silveira e recentemente a Escola Superior de Portalegre.
Na grande casa solar dos seus antepassados deu o morgado da Lameira festas políticas de grande estrondo e de grande dispêndio. Depois do Pacto da Granja, fundidos os históricos e os reformistas no que uns e outros denominaram partido progressista. Diogo da Fonseca ficou em Portalegre, tomando parte preponderante em grandes batalhas eleitorais que, por seus loucos excessos nas despesas, lhe foram comprometendo profunda e gravemente a enorme fortuna.
Este palácio construído no último quartel do século XVIII assim como as residências da Lameira e de Entre-as-Ribeiras, sobre traça do arquitecto-amador da família José Carlos da Fonseca Coutinho, que seguiu a carreira da magistratura, revela no interior flagrantes afinidades de construção com o que lhe fica logo a seguir e foi residência dos condes de Avilez.2
Diogo da Fonseca Acciaioli Coutinho Sousa Tavares, grande influente político progressista do seu tempo acabou por decair por ter desbaratado toda a sua grande fortuna e veio a falecer quase na miséria, solitário (solteiro e sem filhos) e melancólico.
Os seus bens foram vendidos em haste pública e a Herdade de Entre-as-Ribeiras terá sido adquirida por José Carrilho de Moura, filho de Joaquim Carrilho, nos anos 30. Nas mãos deste novo dono a herdade sofreu algumas modificações. O aparecimento das zonas de lazer junto da barragem e no quintal do monte foram fruto da sua imaginação, assim como a curiosa construção que se situa por trás do monte, sendo privilegiada de uma situação de elevação: o castelo, objecto de estudo deste trabalho.
A maior parte das obras (monte da Vinha, lagar, adega, celeiro, vacaria, torre/castelo, etc.) foram entregues ao empreiteiro José Agostinho e filho – “artistas de mãos habilidosas”, provenientes da aldeia de Vale do Peso (cerca de 20 Km), sempre sob o olhar e indicações de José Carrilho de Moura. A construção da torre/castelo decorreu entre 1940 – 1943 e posteriormente a barragem em 1955.
O testemunho cheio de recordações do Sr. José Chico de 83 anos residente nos Fortios foi muito importante para compreender algumas alterações e vivências do monte – “tempo das caçadas, das visitas e das grandes vaidades”. O Sr. José Chico desempenhou na vida do monte variadas tarefas como a de guarda, motorista, lagareiro, etc.
José Carrilho de Moura tinha uma irmã, Inês Carrilho de Moura Martins casada com José Elias Martins, que possuíam a antiga Herdade dos Tojais e a Herdade da Torre entre outras, esta última assim designada porque segundo se conta quando José Carrilho de Moura deu por terminada a construção da torre/castelo na Herdade de Entre-as-Ribeiras o seu cunhado não lhe quis ficar atrás e com alguma inveja construiu também uma torre mas de menor dimensão e “riqueza”.
A Herdade da Torre era considerada uma grande propriedade, tendo naquela altura uma moagem com cilindros e mós franceses. José Elias Martins herdou do seu pai e do seu sogro Joaquim Manuel de Moura outras herdades onde fez, também ele, melhoramentos na parte urbana mas o centro da sua lavoura era na herdade da Torre. Foi uma personagem conhecida e bastante querida do concelho de Portalegre por ter mandado construir uma praça de touros em Portalegre.4
Os herdeiros de José Carrilho de Moura, que não tinha filhos, venderam a Herdade de Entre-as-Ribeiras a Henry de Chabôt por volta de 1973. José Marques Loureiro adquiriu posteriormente a Herdade de Entre-as-Ribeiras em data, até agora por mim, desconhecida. O meu pai, Victor Manuel Baltazar Dias Mendes comprou-a a este último em 1985, que tem vindo ao longo dos anos a realizar obras de restauro e conservação em toda a herdade tendo desenvolvido e modernizado a agricultura incrementando a pecuária e criando uma Associação de Caçadores juntamente com outros proprietários de herdades vizinhas onde nas suas instalações de Entre-as-Ribeiras proporciona a actividade da caça sem fins lucrativos e a convivência dos seus associados. Várias personalidades da política, da cultura, da música convivem e participam nos encontros da Associação de Caçadores, aqui realizados durante a época venatória fazendo lembrar um pouco os tempos áureos mas sem ostentação e luxo próprios dos tempos passados.
Breve Introdução à Arquitectura nos Montes do Alto Alentejo
O homem alentejano construiu “morada” baixa, alongada, paredes grossas, grande chaminé, e ausência de janelas e telhados com ponto mínimo. As paredes são imaculadamente brancas, até porque só com infinita sobreposição das “caianças” anuais se consegue o isolamento contra a humidade que o “adobe” exige. Na verdade, a parede de “adobe”, porque relativamente inconsistente à base de terra amassada, seria facilmente destruída por infiltrações e daí, também a ausência de janelas; a luz entra pela chaminé e pela porta, razão porque cada porta tem um postigo.
Acresce como pormenor, não menos característico, a quase falta de “ponto” dos telhados pela simples razão de que na zona chove pouco.
Podemos ainda acrescentar que cada morada de casas é normalmente sustentada por “gigantes”, ou seja como que o arco butante das construções medievais.
Porque estamos a falar da casa denominada monte, implantada em terreno elevado, quando aumentado o aglomerado urbano, porque em módulos, obviamente verifica-se quebra de continuidade nas cumeiras dos telhados, repete-se, sempre em duas águas, com uma situação de excepção que, igualmente ditada por razões de economia, determina que a parede do topo de sustento a um telhado transversal em “arribana” apenas com uma água.
Estes são os elementos típicos do monte, porém não quer dizer que não haja outros…, recordando também a existência de uma bancada na fachada principal encimada por argolas, talvez para repouso do homem e descanço das “bestas”.
A arquitectura do monte alentejano parece-nos ser “fechada” ao exterior, identificada com a alma do homem alentejano que procura segurança na intimidade do recolhimento, contra a imensidade do espaço que o rodeia.
Repare-se por fim que começando o monte pela sua forma mais rudimentar tende, pelo acrescentamento de “módulos”, a encontrar um quadrângulo que na delimitação final será um pátio, do tipo pátio do monte que surge ao fim de algumas gerações de habitantes.
Os montes consideram-se albergarias francas para caminhantes e mendigos, hospício de necessitados, e até por vezes refúgio de perseguidos.
As construções de cada monte moldam-se geralmente nas dos sistemas vulgares das terras pequenas da província, e compõem-se de habitações para uso doméstico, de casas para fins diversos e de várias dependências exteriores. Entre os maiores, há-os providos de capela para exercício do culto divino, que outrora tinham capelão.
O homem isolado nos montes sempre ambicionou abandonar o seu monte para fazer uma “morada de casas” na aldeia ou vila mais próxima. Porque assim é, nota-se de forma evidente que as pequenas localidades no Alentejo mais não são do que um aglomerado de montes, agora por vezes já com um primeiro andar formando assim as “ruas” que hoje, no seu conjunto, são oficialmente definidas como o “centro histórico”.
Os montes embora se construíssem todos para o mesmo fim, distinguem-se bastante, tanto na capacidade como na construção. José Silva Picão dividiu-os em cinco classes:
Primeira – os de aparência acastelada, solarengos, com torres e ameias, de dois andares, cercados por um muro alto, que deixa de permeio o pátio de entrada. São os mais antigos e entram no número dos melhores. Segunda – aqueles que, não tendo a mesma importância dos primeiros, possuem contudo os requisitos necessários à sede de uma grande lavoura e à habitação confortável do lavrador e da sua família. “Cómodos” porque a sua superioridade em alojamentos é manifesta sobre os outros. Os montes deste segundo tipo denotam no seu todo uma feição mais alegre e “moderna”. Compõem-se geralmente de casas altas e baixas, com janelas e portados rectangulares, sem que em volta os resguarde qualquer espécie de muro. As portas exteriores dão para os terreiros sem vedação, que se prolongam indefinidamente pela herdade. Terceira – os de menos acomodações que os precedentes.
Com o pátio murado ou sem ele, uns ao rés-do-chão, e outros com sobrados, possuem em geral alojamento suficiente para uma lavoura mediana. Muitos montes destes três grupos têm o portado principal encimado por brasões ilustres da velha aristocracia portuguesa. Quarta – os de poucas casas ao rés-do-chão, em número restrito ao indispensável a uma lavoura relativamente pequena. Se possuem compartimentos para a residência do lavrador, são tão exíguos e diminutos que raríssimas vezes se destinam a tal uso. Quinta – os dos três a seis casitas baixas, incluindo dependências. Onde só habitam os guardas, pastores, caseiros, etc.